Menina de 2 anos foi impedida pela escola de trocar o futebol pelo balé. Aprenda aqui como lidar com situações como estas
Carolina Dias
Isa tem 2 anos e meio mas já escolhe as próprias roupas, adora cor-de-rosa, adora ver a mãe se maquiar e faz questão de dizer a todos que, sim, ela é uma "princesa". Mas, ao contrário do que até poderia ser considerado um caminho natural, a menina não gosta de balé. Na hora de escolher uma atividade extra para fazer na escola, ela disse preferir mesmo ter aulas de futebol.
Quando contou aos pais, a jornalista Fabrina Martinez e o publicitário Lucas Coelho, que queria jogar bola, a menina da cidade de Três Lagoas (MS) recebeu total apoio. Porém, na escola, a situação foi diferente. Os pais relataram que, no final de novembro, quando Isa foi para a escola vestida de uniforme de futebol, a menina não pôde jogar. Ficou na sala do balé, com as outras meninas. E de castigo.
Lucas foi perguntar à escola o que tinha ocorrido e ouviu de dois funcionários da Escola Doce Infância que "meninos fazem futebol e meninas fazem balé". Esta mesma frase é uma das mais repetidas por Isa desde então. "Ela sempre diz que 'menina não pode'. Que a 'tia' da escola falou", diz a mãe. A atitude teve um efeito. Desde aquele dia, Isa afirma não querer ser mais uma menina, e passou a checar o que menino pode e não pode fazer, como usar batom. Também faz parte das dúvidas da menina se ela continuaria sendo uma princesa caso usasse somente short.
Procurada pela reportagem da Crescer, a psicopedagoga Sílvia Romero, proprietária da Doce Infância, primeiro disse que desconhecia o caso. Depois, ao ser questionada sobre o relato dos pais de Isa, afirmou que só falaria sobre o assunto se a reportagem fosse pessoalmente até a cidade de Três Lagoas. Por telefone, se recusou a comentar a questão e não atendeu mais as ligações.
A faixa de idade de Isa é justamente quando a criança começa a perceber as diferenças entre meninos e meninas e passa a questionar tudo. E, claro, seu ponto de vista não tem nada a ver com os tradicionais estereótipos sexuais. "Não existe uma separação de gênero na cabeça da criança. Ela simplesmente vê outra criança fazendo e quer imitar", diz a supervisora de psicologia da Universidade Mackenzie, Solange Aparecido Emílio. Fora isso, até mesmo levar tão a sério as aulas extras também pode ser um equívoco. "Ela está na fase de correr e gastar energia. Aos dois ou três anos uma criança não tem capacidade cognitiva de seguir as regras do futebol ou acompanhar uma coreografia de balé", afirma Maria Luiza Macedo de Araújo, do Centro Brasileiro de Estudos da Sexualidade. Fundamental mesmo são as atividades que a criança brinca livremente, focando a interação com outras crianças.
Nesta história entram duas questões bem importantes. A primeira tem a ver com a questão de gênero e conflitos impostos tão cedo à infância de Isa. Outra é a relação com escola, o vínculo e a confiança quebrados pela falta de flexibilidade. Por isso, em casa, é hora de calma e diálogo. E cuidado com o que a criança realmente deve saber ou ouvir. "Se a criança perguntar o que pode ou não fazer, responda claramente e mostre que isso é normal", diz a psicóloga Maria Luiza. Ou seja: "princesas" jogam futebol e "príncipes" adoram dançar. O melhor em qualquer tipo de educação é misturar possibilidades, oferecer atividades diversas para que a criança cresça vivendo experiências diferentes. E não force a conversa e nem aumente a ênfase no assunto. "É muito fácil e perigoso transformar a situação em algo maior do que realmente é. Se a criança sentir segurança nos pais, ela irá esquecer", afirma Solange, do Mackenzie.
Para a família, no entanto, de tudo ficou uma certeza: no próximo Natal um dos presentes será uma camiseta do Palmeiras, o time do coração do avô paterno da menina.
Ói que coisa burra e limitadora, gente. Sexismo já é um saco, mas acontecer dentro da escola é de matar. Escola deveria ser espaço questionador, e não reforçador desse tipo de pensamento ("meninos fazem isso, meninas aquilo") que já é tão disseminado mundo afora.
O que a gente pode fazer agora pra criar uma geração em que ser homem ou mulher não seja fator limitante pra se fazer o que se quer? Não sei, mas começar pelo que a Fabrina e o marido fizeram - não aceitar esse tipo de distinção atravancando a educação da filha - me parece um bom começo.