Estamos namorando, eu e ela. Tipo começo de namoro, sabe? A gente se ama e se agarra e se beija muito, ela morde meu nariz, eu a espremo em abraços infinitos. Todo dia, na escola, ela gruda nas minhas pernas e chora quando eu saio, “mamãe não, mamãe não!”. E ri-se toda quando eu volto, e pega um carrinho ou a vaquinha de borracha pra me mostrar, múúú, ou aponta a professora lendo um livro, e depois abre os bracinhos e se joga em mim, deita a cabeça no meu ombro deixando um rastro de babinha nos meus cabelos, e eu quase morro de amor.
Já dura mais de ano esse namoro, e a paixão continua – melhor, ela aumenta. Começou, confesso, quando Alice tinha uns 5 meses. Antes disso a gente ainda tava “se conhecendo” (ah, os clichês do amor...), ainda vendo no que ia dar. Pois deu: ela calhou de ser a criaturinha mais adorável que já pisou nesse mundo e eu vou apertá-la muito pelo resto da vida, ela querendo ou não.
Bom, aí eu também estou namorando loucamente o Carlos, porque em família é assim: o amor não se divide, se multiplica. E Carlos está namorando loucamente a Alice, e ela sai correndo e gritando babái!babái!babái! quando ele chega em casa e os dois vão se enroscar no sofá, ela exibindo o truque do dia, como encolher a barriga ou contar até cinco.
E seguimos nesse triângulo amoroso louco, nessa orgia de amor infinito. Às vezes a gente até briga, ou discute a relação (e vou dizer: Alice é pés-si-ma ouvinte) mas tudo sempre termina aos beijos e agarros, como todo bom namoro deve ser.
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Aí meus tios passaram uns dias em Paris aqui com a gente e ficaram com Alice em alguns momentos, pra liberar mamãe e papai pra uns passeios. Depois contaram que ela se comportou incrivelmente bem – tão bem que eu quase achei que não era a mesma criança a que ele descreviam pra mim numa noite depois do cinema: tranqüila, fácil de agradar, topa-tudo e sem um pingo de teimosia.
Ela pode ser tudo isso sim, mas quase nunca ao mesmo tempo. Contei que comigo ela é birrenta, tem mil artimanhas maquiavélicas e manias horríveis, tipo bater a cabeça no chão quando é contrariada (oh god!). Engatamos nesse papo e minha tia fez um comentário ótimo, que nunca tinha me ocorrido. Era mais ou menos isso: “Ela é tão segura do amor de vocês que é em casa que vai experimentar, desobedecer, desafiar. É com vocês que ela pode ser chata, desagradável, birrenta, agressiva. É um ensaio pra vida, saudável e necessário, no único lugar que ela se sente segura: em casa, com pai e mãe do lado. Melhor gastar rebeldia em casa que lá fora, na vida real, em que ela não vai encontrar a mesma compreensão e o mesmo amor incondicional.”
Né?